O código da Aliança
ajuda a encarar, segundo a óptica da justiça, as várias formas
de violência de uma sociedade agrícola muito pobre. É intenção
do legislador mostrar o espírito da lei, que impele a ir além
desta mesma lei, apresentando uma escala de valores específica.
v. 16
Aquele que rapta um homem e o vende…será levado à morte.
Raptar e vender uma pessoa, contra a sua vontade, equivale a
anular a sua dignidade, a aniquilá-la. Degrada-se a pessoa a
“coisa” da qual se usufrui e comercializa pelo ganho. Veja-se Dt
24,7.
No mundo cristão,
este mandamento foi infringido muitas vezes. Basta pensar no
tráfico dos escravos, na utilização da classe operária no século
XVIII, e agora em algumas regiões, na transformação da força de
trabalho em trabalho forçado, por causa das leis económicas que
colocam o deus mercado acima da pessoa humana.
vv. 18-21 Trata-se da violência física no caso de rixa.
No centro do julgamento deve-se colocar a intenção do agressor,
distinguindo a de homicídio (v. 20) da intenção de só ferir (vv.
18. 21.). Se a intenção não é matar, a indemnização substitui-se
à pena de morte (v.19). A indemnização tem que conter o
tratamento curativo, e também a falta de ganho por causa do
descanso forçado.
v. 22-23
Quando…agredimos e empurramos uma mulher grávida de forma a
fazê-la abortar… É o caso de um aborto culposo. A morte do
feto é considerada um acontecimento grave, todavia passível de
compensação (v.22), mas não a morte da mulher, que é homicídio
verdadeiro e de facto. (v.23).
vv. 24-25 A
estrutura social daquele tempo era incapaz de gerir situações
pessoais de uma forma pública, a polícia não existia. Por isso,
fazia-se uso da lei de talião (o nome vem da palavra
latina talis, isto é, tale a culpa, tale a
pena). Era um modo de conter a violência e o arbítrio. O
princípio da proporcionalidade da pena é usado ainda hoje.
vv. 26-27 Por
enfermidade duradoura, o dono do escravo ou da escrava era
compelido a conceder-lhes a liberdade. Com este pesado
ressarcimento queria-se sublinhar a importância da integridade
física da pessoa.
vv. 28-32 Vêm
elencados os casos de morte causada pelos animais domésticos
como o boi. Nem sempre o dono dos animais é inocente. Em nome do
princípio da responsabilidade pode ser considerado culpado da
morte (v.29). Com esta norma queria-se sublinhar que:
A vida humana é o
valor mais elevado; qualquer negligência a seu respeito é
condenada.
Todavia, era deixada
a possibilidade de uma compensação substitutiva (v.30). No caso
do escravo (v. 32) eram 30 dinheiros de prata, o preço da
traição de Jesus.
vv. 33-37 São
dadas normas que resolvem com indemnizações os danos provocados
pelo próprio a outrem; de modo específico, fala-se dos animais
de trabalho. Na base está sempre o princípio da
responsabilidade, princípio sublinhado com força no Hebraísmo.
Capítulo 22
vv. 1-14 Vem
indicado como pôr em prática o mandamento Não furtarás,
do qual se falou antes. O princípio de base é sempre o mesmo: a
vida humana é o bem maior. Não se pode intencionalmente matar
para salvaguardar o próprio bem (v.2). Qualquer furto (vv. 2. 6.
8.), ou qualquer uso indevido da propriedade de outrem (vv. 4.
5.), ou qualquer indevida custódia, retribuída ou não retribuída
(vv. 6. 11. 13) requer uma indemnização. A culpabilidade é
todavia controlada. Se o caso for passível de dúvida, um
juramento de inocência é requerido, o juramento pelo Senhor
(vv. 7.10.), ou então tira-se à sorte (v. 8).
v. 15 Aquele
que violar uma mulher, deve casar com ela. Todavia pode o pai
recusar dar a filha, naquele tempo considerada “sua
propriedade”, e por isto ter direito a uma indemnização.
v. 17 A magia
é condenada porque é a tentativa de se apropriar de um poder que
pertence só a Deus. (Dt 18,9-14). É considerada como a
idolatria (v. 19).
vv. 20-26
Ajudar os deserdados é um traço característico da fé hebraica,
teologicamente baseado no dever de imitar Deus, aquele que dá e
toma conta dos pobres (Dt 10,16-19; Sl 68/67,6-7;
146/145, 5-10; Sir. 35,11-15.). Em Dt 15,11 dá-se
a ordem explícita: “Toma esta ordem … abre generosamente a
mão ao teu irmão pobre e necessitado da tua terra”. Veja-se
também Dt 24,17-18. Nesta linha se coloca Jesus (Mt 25,35). A
violenta denúncia dos profetas (Amos 2,6-8; Mq 3,2-3; Jr 22,
1-5 e 15-16), mostra que este mandamento era muitas vezes
esquecido.
Os mais pobres eram
os estrangeiros, os órfãos e as viúvas, isto é, aqueles que não
eram ajudados pela sociedade. Não tinham um rendimento seguro e
eram pouco protegidos contra a injustiça e os maus tratos.
Defensor (goel) se torna agora o mesmo Deus, que responde
ao grito de ajuda (vv.22.23.26).
v. 20 “Não
molestarás o estrangeiro (ger) nem o oprimirás…”
Ger é o estrangeiro residente, aquele que vive numa
sociedade que não é a sua, expatriado do próprio país. Ser-se
privado de parentesco significava ser-se considerado como
inimigo, objecto de qualquer tipo de prepotência.. São ger
Abraão (Gn 23,4), Moisés (Ex 2, 22; 18,3), e os levitas que não
têm legado territorial (Jz 17, 7-13; Dt 12,12; Num
18,20-24). Por detrás deste mandamento está uma motivação
teológica: como Deus ajudou os israelitas, estrangeiros no
Egipto, da mesma forma os hebreus devem servir de ajuda aos
estrangeiros de Israel.
v. 21 “Não
maltratarás a viúva ou o órfão …”. A categoria da viúva que
não usufruía de qualquer protecção jurídica, incluía quer
aquelas que tinham perdido o marido quer aquelas que não tinham
filhos, genros ou cunhados. Eram pobríssimas (1Re 17,9-16.).
Frequentemente, para sobreviver entregavam-se à prostituição ou
ao concubinato tornando-se objectos para qualquer uso.
Para responder às
necessidades dos pobres, Adonai tinha criado duas instituições:
a respiga (Dt 24,19-22 ; Lv 19,9-10), e
a décima trienal (Dt 14, 28-29; Dt 26, 12-13).
Solidariedade é
sentir-se responsável pelo outro
v. 24-25 “
Se emprestares dinheiro…se penhorares” (veja-se Sl 15,5; Ez
18, 5-9. 13. 17.).
Então, como agora,
os indigentes encontravam-se na necessidade de pedir emprestado
ou empenhar os próprios bens. Neemias 5, 1-13 mostra
quais as consequências sociais que os empréstimos com juros
tinham provocado na comunidade pós-exílica Em 2Rs 4,1-6
mostra-se como, para pagar a dívida, se tomavam até os filhos da
viúva. No interior do povo de Israel, os empréstimos deviam ser
concedidos sem juros (Dt 23,20; Lv 25, 35-38), para não
provocarem a sujeição da pessoa (Pr 22, 7). Pelo
contrário, era necessário estar atento a não humilhar e a não
tomar como penhor os meios de subsistência (v.25).
Paulo dirá “a caridade não busca o seu próprio interesse”
(1Cor 13,5).
Jesus reforça este conceito sublinhando o valor da gratuidade (Lc
14, 12-14).