© "Via sacra"  Bill Ross
 

 

Julho - Agosto - 2008

A Tua Palavra Ilumina os Meus Passos

 

Êxodo

A vida humana não tem preço

   

Êxodo 21, 16-37; 22, 1-26

   
Autora: Nicoletta Crosti
 

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O código da Aliança ajuda a encarar, segundo a óptica da justiça, as várias formas de violência de uma sociedade agrícola muito pobre. É intenção do legislador mostrar o espírito da lei, que impele a ir além desta mesma lei, apresentando uma escala de valores específica.

v. 16 Aquele que rapta um homem e o vende…será levado à morte. Raptar e vender uma pessoa, contra a sua vontade, equivale a anular a sua dignidade, a aniquilá-la. Degrada-se a pessoa a “coisa” da qual se usufrui e comercializa pelo ganho. Veja-se Dt 24,7.

No mundo cristão, este mandamento foi infringido muitas vezes. Basta pensar no tráfico dos escravos, na utilização da classe operária no século XVIII, e agora em algumas regiões, na transformação da força de trabalho em trabalho forçado, por causa das leis económicas que colocam o deus mercado acima da pessoa humana.

vv. 18-21 Trata-se da violência física no caso de rixa. No centro do julgamento deve-se colocar a intenção do agressor, distinguindo a de homicídio (v. 20) da intenção de só ferir (vv. 18. 21.). Se a intenção não é matar, a indemnização substitui-se à pena de morte (v.19). A indemnização tem que conter o tratamento curativo, e também a falta de ganho por causa do descanso forçado.

v. 22-23 Quando…agredimos e empurramos uma mulher grávida de forma a fazê-la abortar… É o caso de um aborto culposo. A morte do feto é considerada um acontecimento grave, todavia passível de compensação (v.22), mas não a morte da mulher, que é homicídio verdadeiro e de facto. (v.23).

vv. 24-25 A estrutura social daquele tempo era incapaz de gerir situações pessoais de uma forma pública, a polícia não existia. Por isso, fazia-se uso da lei de talião (o nome vem da palavra latina talis, isto é, tale a culpa, tale a pena). Era um modo de conter a violência e o arbítrio. O princípio da proporcionalidade da pena é usado ainda hoje.

vv. 26-27 Por enfermidade duradoura, o dono do escravo ou da escrava era compelido a conceder-lhes a liberdade. Com este pesado ressarcimento queria-se sublinhar a importância da integridade física da pessoa.

vv. 28-32 Vêm elencados os casos de morte causada pelos animais domésticos como o boi. Nem sempre o dono dos animais é inocente. Em nome do princípio da responsabilidade pode ser considerado culpado da morte (v.29). Com esta norma queria-se sublinhar que:

A vida humana é o valor mais elevado; qualquer negligência a seu respeito é condenada.

Todavia, era deixada a possibilidade de uma compensação substitutiva (v.30). No caso do escravo (v. 32) eram 30 dinheiros de prata, o preço da traição de Jesus.

vv. 33-37 São dadas normas que resolvem com indemnizações os danos provocados pelo próprio a outrem; de modo específico, fala-se dos animais de trabalho. Na base está sempre o princípio da responsabilidade, princípio sublinhado com força no Hebraísmo.

Capítulo 22

vv. 1-14 Vem indicado como pôr em prática o mandamento Não furtarás, do qual se falou antes. O princípio de base é sempre o mesmo: a vida humana é o bem maior. Não se pode intencionalmente matar para salvaguardar o próprio bem (v.2). Qualquer furto (vv. 2. 6. 8.), ou qualquer uso indevido da propriedade de outrem (vv. 4. 5.), ou qualquer indevida custódia, retribuída ou não retribuída (vv. 6. 11. 13) requer uma indemnização. A culpabilidade é todavia controlada. Se o caso for passível de dúvida, um juramento de inocência é requerido, o juramento pelo Senhor (vv. 7.10.), ou então tira-se à sorte (v. 8).

v. 15 Aquele que violar uma mulher, deve casar com ela. Todavia pode o pai recusar dar a filha, naquele tempo considerada “sua propriedade”, e por isto ter direito a uma indemnização.

v. 17 A magia é condenada porque é a tentativa de se apropriar de um poder que pertence só a Deus. (Dt 18,9-14). É considerada como a idolatria (v. 19).

vv. 20-26 Ajudar os deserdados é um traço característico da fé hebraica, teologicamente baseado no dever de imitar Deus, aquele que dá e toma conta dos pobres (Dt 10,16-19; Sl 68/67,6-7; 146/145, 5-10; Sir. 35,11-15.). Em Dt 15,11 dá-se a ordem explícita: “Toma esta ordem … abre generosamente a mão ao teu irmão pobre e necessitado da tua terra”. Veja-se também Dt 24,17-18. Nesta linha se coloca Jesus (Mt 25,35). A violenta denúncia dos profetas (Amos 2,6-8; Mq 3,2-3; Jr 22, 1-5 e 15-16), mostra que este mandamento era muitas vezes esquecido.

Os mais pobres eram os estrangeiros, os órfãos e as viúvas, isto é, aqueles que não eram ajudados pela sociedade. Não tinham um rendimento seguro e eram pouco protegidos contra a injustiça e os maus tratos. Defensor (goel) se torna agora o mesmo Deus, que responde ao grito de ajuda (vv.22.23.26).

v. 20 “Não molestarás o estrangeiro (ger) nem o oprimirás…”
Ger é o estrangeiro residente, aquele que vive numa sociedade que não é a sua, expatriado do próprio país. Ser-se privado de parentesco significava ser-se considerado como inimigo, objecto de qualquer tipo de prepotência.. São ger Abraão (Gn 23,4), Moisés (Ex 2, 22; 18,3), e os levitas que não têm legado territorial (Jz 17, 7-13; Dt 12,12; Num 18,20-24). Por detrás deste mandamento está uma motivação teológica: como Deus ajudou os israelitas, estrangeiros no Egipto, da mesma forma os hebreus devem servir de ajuda aos estrangeiros de Israel.

v. 21 “Não maltratarás a viúva ou o órfão …”. A categoria da viúva que não usufruía de qualquer protecção jurídica, incluía quer aquelas que tinham perdido o marido quer aquelas que não tinham filhos, genros ou cunhados. Eram pobríssimas (1Re 17,9-16.). Frequentemente, para sobreviver entregavam-se à prostituição ou ao concubinato tornando-se objectos para qualquer uso.

Para responder às necessidades dos pobres, Adonai tinha criado duas instituições: a respiga (Dt 24,19-22 ; Lv 19,9-10), e a décima trienal (Dt 14, 28-29; Dt 26, 12-13).

Solidariedade é sentir-se responsável pelo outro

v. 24-25 “ Se emprestares dinheiro…se penhorares” (veja-se Sl 15,5; Ez 18, 5-9. 13. 17.).

Então, como agora, os indigentes encontravam-se na necessidade de pedir emprestado ou empenhar os próprios bens. Neemias 5, 1-13 mostra quais as consequências sociais que os empréstimos com juros tinham provocado na comunidade pós-exílica Em 2Rs 4,1-6 mostra-se como, para pagar a dívida, se tomavam até os filhos da viúva. No interior do povo de Israel, os empréstimos deviam ser concedidos sem juros (Dt 23,20; Lv 25, 35-38), para não provocarem a sujeição da pessoa (Pr 22, 7). Pelo contrário, era necessário estar atento a não humilhar e a não tomar como penhor os meios de subsistência (v.25).
Paulo dirá “a caridade não busca o seu próprio interesse” (1Cor 13,5).
Jesus reforça este conceito sublinhando o valor da gratuidade (Lc 14, 12-14).

   

Tradução: Ana Luísa Teixeira

     
   

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