© "Via sacra"  Bill Ross
 

 

Setembro - 2008

A Tua Palavra Ilumina os Meus Passos

 

Êxodo

Vós sereis para mim homens santos 

   

Êxodo 22, 27-30; 23,1-19

   
Autora: Nicoletta Crosti
 

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Esta declaração está no coração da Aliança: Eu serei o vosso Deus e vós sereis o meu povo. Os versículos 27-30 do capítulo 22 do Êxodo indicam-nos algumas consequências de tal declaração. Primeiro que tudo, a necessidade de amar e venerar o próprio Deus (e a “cabeça” da comunidade que O representa); não é permitido falar mal dele ou blasfemá-Lo (v.27). Em seguida, é reconhecido que tudo procede d’Ele, de forma particular a terra em que Israel vive e de cujos frutos se alimenta (vs.28-29).

Ninguém se apresente diante de Mim de mãos vazias. (Ex 23,15)

Em cada dádiva está inato o perigo de se esquecer o doador. Israel, instalado na terra prometida, corre o risco de se esquecer do seu Deus, o dono da terra e do mundo (Lv 25,23). Três mil anos passados, como hoje, o crente tende a crer-se como o único construtor da sua felicidade, ligada exclusivamente à pura realidade material (Dt 8,10-18). Para evitar este pecado, o hebreu tem a obrigação de dar a Deus o melhor, isto é as primícias da sua colheita (Dt 26,1-11; Nm 15,17-21; Lv 23,9-14), os primogénitos do seu gado e dos seus filhos (Ex 11-16; 13,2; 34,19-20, Nm 8,17; Dt 15,19). Todavia, no caso dos animais pouco fecundos (por exemplo os burros) e úteis no trabalho, era dada a possibilidade de resgate (Ex 13,13; 34,20) e, naturalmente, sempre seriam resgatados os primogénitos do homem (até Jesus foi resgatado (Lc 2, 22-23). No início, as primícias eram consumadas em frente de Deus (Dt 15,20), depois eram dadas aos sacerdotes para o seu sustento (Num 18, 11-19).

Este reconhecimento, de forma insistente, de Deus como única fonte de todo o bem torna os homens santos (v.30). A interdição de comer um animal esfacelado vem explicada no Levítico 17,10-16.

Capítulo 23

O autor bíblico continua a interligar os deveres para com Deus com os deveres para com o próximo, porque estas duas responsabilidades não são disjuntas. Por isso, o autor insere aqui o preceito do correcto exercício da justiça (vv. 1-3 e 6-8), apresentada no âmbito forense, mas patente numa dimensão mais vasta. A instituição dos juízes foi a primeira instituição que os israelitas tiveram ainda enquanto peregrinos no deserto (Ex. 18,13-27; Dt 1,9-18). No Dt 16,18-20, é dado a Moisés o mandamento explícito para constituir juízes em toda a cidade. De facto, a ordem subentendida é esta:

A justiça e só a justiça seguirás , para que vivas. (Dt 16,20)

O autor recorda que facilmente se pode perverter a justiça, caindo na armadilha da corrupção (v.8), do favoritismo pessoal, e na errada procura da verdade (v.7). Veja-se o comentário a Ex. 20, 16. O juízo humano deve alinhar-se com o de Deus, que é sempre um juízo imparcial (Dt 1,17; 10,16-18). Os direitos dos pobres têm que ser protegidos (v.6). Mas, mesmo a compaixão não se deve exercer ao arrepio da justiça (v.7).

v. 2. Não seguirás a maioria para fazer o mal.
O juízo deve ser independente das pressões da praça. Não procederá assim Pilatos no processo de Jesus (Lc 23, 13-25; Mc 15, 6-15; Mt 27,19-26). A verdade e a justiça podem não estar do lado da maioria. É esta uma advertência importante para as democracias que se baseiam nas decisões da maioria. Nesta passagem quer-se sublinhar a importância de um critério ponderado autonomamente e livre dos factores inquinantes do juízo.

Inseridos que estão os deveres da justiça, segue-se a recomendação da solidariedade e da prestação de ajuda mútua, até quando se trata de um inimigo (vv.4-5 e Pr 25,21.22; Dt 22,1-4). Ajudar o inimigo equivale a ter benevolência ao confrontá-lo. Jesus retomará este conceito, reagindo contra os moralistas do seu tempo, que não seguiam a palavra de Deus (Mt 5,43-48).

v. 10 Por seis anos semearás a tua terra…mas no sétimo ano não a desfrutarás. (Veja-se Lv 25, 1-7). A seguir aos deveres para com o próximo são recordados os deveres para com a terra e para com os animais. Nem a terra nem os animais disfrutarão (v.12, veja-se também Dt 25,4; 22, 6-7). Têm direito ao seu repouso, tal como o homem e a mulher. O ano sabático tem como referência o dia de sábado que Deus santificou (Gn 2,3) e que o homem, imitando-O, deve santificar (Ex 20,8-11). É este, por excelência, o sinal distintivo de Israel, o sinal eterno entre Mim e os israelitas (Ex 31,17). O ano sabático aparece como uma forma de libertação da terra, não submetida a um ano de trabalho do homem, e colocada nas mãos de Deus, que repousou no sétimo dia. A terra produz agora, mas de maneira livre, e os frutos espontâneos serão, em primeiro lugar, para os pobres. A atenção para com os pobres é integrada no calendário litúrgico.

No pensamento bíblico, Deus não se limita a salvar as criaturas humanas, mas salva também os animais (Sl 36/35,7; Is 11,6-9; Gn 6,18-22; Mt 6,26; Lc 12,24).

v. 14 Três vezes por ano farão festa em Minha honra

 A fé de Israel, que não conhece dogma, ‘credo’ ou teologia, exprime-se e cresce através da das festas litúrgicas. Nas festas mencionadas nestes textos apresentavam-se a Deus as primícias, para celebrar a sua bondade e a sua grandeza. Eram as três festas principais, estreitamente ligadas à vida de uma sociedade agrícola, porque ligadas às estações do ano e às colheitas. Nestas festas, inseria-se também a recordação de um acontecimento histórico, que mostrava o poder e a personalidade de Adonai, o Deus libertador e generoso nos seus dons, como a terra e a Torah.

Na primavera, quando se colhia a cevada, celebravam-se os ázimos (Ex 12,15-20; 13, 6-10; 34, 18; Dt 16,3-4), como parte da festa da Páscoa. Isto recordava-lhes a pressa da partida do Egipto, que não tinha permitido que o pão tivesse sido levedado. (Ex.12,34). O pão ázimo era comido durante uma semana à espera do fermento produzido a partir da cevada nova. A eliminação escrupulosa do fermento velho era tomada como metáfora da libertação de tudo quanto é corrupto e leva à corrupção. Paulo dirá em 1Cor 5, 7-8:

Deitai fora o fermento velho para serdes uma massa nova, já que sois pães ázimos

Sete semanas depois da Páscoa, isto é, depois de cinquenta dias (em greco Pentecoste, em Hebraico Shavuot), celebrava-se a festa da ceifa do trigo (Ex 34,22; Dt 16,9-12; Lv 23, 15-22). A esta festa estava ligada a dádiva da Torah no Sinai, a qual os israelitas tinham aceite com toda a convicção. Para perceber o valor conferido, veja-se Dt 4,5-8.

Não fiz assim com nenhum outro povo, nem manifestou a outros os seus preceitos. Sl 147, 20

E, por fim, no Outono, era a festa da colheita dos frutos, das azeitonas e das uvas, a festa dita das cabanas (Succot), que se construíam para recordar a vida precária dos quarenta anos no deserto, uma vida abençoada pela providência de Deus (Dt 16,13-15; Lv 23, 33-36 e 39-43).

As tuas vestes não se gastarão e os teus pés não incharão durante estes quarenta anos.

   

Tradução: Ana Luísa Teixeira

     
   

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