Em poucas
linhas, o autor faz sobressair a fé de Abraão e introduz os
acontecimentos que se seguirão.v. 4aEntão
Abraão procedeu tal como havia dito o Senhor Abraão sem
delongas e sem duvidar da palavra do Senhor mete-se a caminho;
põe em prática a palavra recebida, e fá-lo porque tem
confiança em Deus. Abraão é o homem da fé pronta e nua e
totalmente consagrado à missão recebida. Por isso Abraão é o
anti-Adão, que dá origem a uma história nova e a um homem novo
que se completará em Cristo. Por esta sua obediência, a bênção
de Deus estender-se-á a todas as famílias da Terra (Gn 26,5).
Tiago recordará estas obras
de Abraão (Tg 2,14-24) e também Paulo (He 11,8).
v. 4b Abraão
tinha setenta e cinco anos.
É já um homem sábio e inteligente que, não obstante a sua idade,
está pronto para arriscar a sua vida e a da sua família para
seguir a voz de Deus. A vida de Abraão
vem apresentada como a vida simples e livre dos semi-nómadas,
que permanecem temporariamente onde há água e pasto, não possuem
a terra, vivem da precariedade da estepe. A peregrinação
de Abraão é querida por Deus (Js 24,2-3) e para o autor é
metáfora da “viagem santa” constante do Salmo 84/83 (v.
1-8), (suspira e tem sede da casa de Deus)
Abraão é modelo de todo o caminho da fé,
vivido na escuta da palavra de Deus e em total obediência à
voz interior.
Isto
significa aceitar a precariedade, superar os obstáculos e sentir-se
estrangeiro e hóspede (Lv 25,23) no que respeita à comunidade
dos homens. Tema este que é retomado por Jesus a propósito dos seus
discípulos. Esses não são do mundo, como eu não sou deste mundo
(Jo 17,16).
vv.
4-5Abraão foi ... saiu de Canaã… saíram para ir.
Ir e sair, são dois verbos ligados ao chamamento de Adonai (Gn 12,1)
e à espiritualidade do Êxodo (Ex 3,10). O “ir” é sempre uma
saída de; no caso específico de Abraão, é sair de um mundo idólatra.
v. 6até ao lugar de Siquém, junto do carvalho de Moré.
Siquém, subúrbio da actual Nablus, era uma cidade-estado antes dos
israelitas, depois tornou-se o santuário mais importante de Israel,
mas nunca se transformou num santuário completamente israelita. Era
o santuário Cananeu de El-Berit ou Baal-Berit, o deus do pacto, onde
Josué fará renovar o pacto às tribos de Israel (Js, cap. 24).
O
carvalho é uma das árvores «cósmicas», às quais os antigos davam uma
imensa importância. Uniam os infernos ao céu, sustinham e mantinham
a vida no Cosmos. O carvalho de Moré é até citado no Gn 35,4 e Js
24,26.
v. 7a
O Senhor apareceu a Abraão e disse… É a primeira aparição
bíblica de Adonai (a tradução literal transcreve deixou-se ver).
Tal como agora se faz nos lugares onde ocorreram aparições, Abraão
faz construir ali um lugar de culto. Nos tempos antigos, com efeito,
a presença do transcendente transformava o lugar num centro
cósmico, onde o céu encontrava a terra.
v. 7b
à tua descendência eu darei esta terra. A posse da terra era
um sonho dos semi-nómadas. Significava para eles o fim das migrações
sazonais, com todos os perigos que aquelas comportavam.
É esta
a grande promessa da terra, que virá repetida em Gn
13, 14-15; 15,7; 17,8; 26,3; 35,12; 50,24.
Israel
recebe esta terra como lugar no qual vai pôr em prática todas as
leis do Senhor (Lv 20,22-24e 26; Dt 11, 31- 12,1).
Isto tornará a terra santa, porque habitada por santos: e por
consequência tornar-se-á terra onde corre leite e mel (Ex 3,8; Dt
26,9), isto é, onde o homem encontra a plenitude da felicidade e da
prosperidade. Condição para manter a terra santa é reconhecê-la
sempre como dom de Deus (Dt 26,1-11), permanecendo fiel a Adonai e
só a ele servindo. Esta condição não será respeitada pelos hebreus
que, após o esplendor de Salomão, foram exilados para a Babilónia.
Na
tradição bíblica a terra permanece sempre e só de Deus (Lev 25,23).É assim com a terra prometida; ao homem e aos israelitas é dado
somente o usufruto da terra.
O autor
separa a promessa da descendência (v.1) da promessa da terra (v. 7),
para sublinhar a fé de Abraão, que se põe em marcha sem conhecer o
futuro e sem pensar numa recompensa. As duas promessas seguem
repetindo-se aos pares (Gn 13,15-16 e 17, 4-8). O
futuro das duas promessas é remoto, reporta-se ao eu
indicar-te-ei ... eu dar-te-ei esta terra. Abraão não verá quase
nenhuma da sua numerosa descendência, nem a posse da terra, mas
continuará a crer nas duas promessas. Abraão só possuirá um campo
que comprará para a sepultura da sua mulher, Sara (Gn 23,16-20;
25,10; 50,13).
Sobre a
terra aqui mencionada, nascerá, crescerá, será crucificado e
renascerá o hebreu Jesus, o filho de Deus, o homem Santo por
excelência, que a santificará de modo novo e perene.
v. 8construí um altar. Segundo o autor, pela primeira vez,
num ponto preciso da terra, um homem, escolhido por Deus, constrói
ao Deus único, criador do céu e da terra, um lugar de culto onde se
pode evocar o seu nome. Passaram muitos séculos antes de
chegar a construção do grande templo de Jerusalém. O altar
construído por Abraão era provavelmente um monte de simples pedras.
Abraão é
apresentado como um homem muito religioso, que tocará todos os
santuários da terra de Canaã e os santificará, porque ao lado dos
altares pagãos construirá um altar ao Deus único, Senhor de Israel e
de todos os povos.