Este capítulo retoma e desenvolve o tema da rivalidade entre os dois
gémeos, Esaú e Jacob (Gn c. 25). A trama da narrativa pagã, que
queria mostrar a sagacidade dos antepassados, é utilizada pelo autor
bíblico para mostrar uma característica do agir de Adonai, o Deus de
Israel. Este, no misterioso desenvolvimento da história da salvação,
parece preferir os “pequenos”, os “menores”, e justifica-se assim:
… eu
não vejo aquilo que o homem vê. O homem olha para a aparência, o
Senhor olha o coração.
( I Sm 16,7)
Alguns exemplos desta escolha de Deus: Ismael, o mais velho deve
deixar o direito de primogenitura a Isaac (Gn 21,9-12), Manassés, o
mais velho, deve deixá-lo a Efraim (Gn 48,13-20; Gedeão é o
escolhido, não obstante ser a sua família a mais pobre e ele o mais
novo da família (Jz 6,12-16); Israel é escolhido por Adonai não
obstante ser o mais pequeno de todos os povos (Dt 7,7-8);
David é escolhido, não obstante ser o mais novo da família (1Sm
16,10-11); Belém de Efrata tão pequena entre as terras de Judá (Mq
5,1). O Salmo 118/117, 21-24 diz : a pedra que os construtores
rejeitaram veio a tornar-se a pedra angular, afirmação retomada
no N.T. (Mt 21,42 e 1Pe 2,7). Jesus, pegando neste tema, dirá:
quem for o mais pequeno de entre vós, esse será o maior (Lc
9,48; ver também Mt 18,3-4) e recordará que o reino dos céus pode
comparar-se a um grão de mostarda … a mais pequena de todas as
sementes. (Mt 13,32).
Jesus escolherá para chefe responsável da primeira comunidade cristã
um pescador da Galileia (Jo 21,15-17).
Deus,
escolhendo para os seus projectos aqueles que na sociedade estão em
último lugar, demonstra ser capaz de construir coisas grandiosas com
instrumentos frágeis.
Também neste capítulo Jacob, o mais novo, é escolhido por Deus para
continuar a linha da bênção patriarcal de Abraão.
vv.5-7 Ora Rebeca escutava, enquanto
Isaac falava ao seu filho Esaú … abençoar-te-ei em nome do Senhor
antes de morrer. Estas palavras de Isaac fazem nascer em Rebeca,
que privilegiava Jacob (Gn 25,28), o desejo de contrariar os planos
do marido.
v. 8-10 Olha filho meu, obedece à minha
ordem: vai já ao rebanho … teu pai o comerá para que te bendiga …
Rebeca é peremptória, quer armar um ardil para enganar o marido,
fazendo pouco do ritual sagrado da bênção patriarcal.
v. 11 Respondeu Jacob … sabes que o meu
irmão Esaú é peludo … o meu pai vai aperceber-se ... Jacob tinha
direito à bênção paterna tendo comprado o direito de primogenitura,
mas nunca deveria enganar o seu pai aproveitando-se da sua
senilidade.
v. 13 Recai-a sobre mim a sua maldição
… tu obedece … Rebeca não sabe aquilo que diz e impõe a sua
escolha ditada por uma preferência sentimental, de facto ficará
separada do filho predilecto por vinte anos. As personagens da
narrativa fazem questão de competir nos gestos incorrectos e o autor
bíblico faz questão em sublinhar que por isso viverão anos de
sofrimento.
vv.14-17 Para o sucesso desta empresa mãe
e filho pensam no detalhe, o pêlo do corpo de Esaú, o seu “odor” de
homem de caça e o cabrito cozinhado segundo o gosto do pai.
v. 19 Eu sou Esaú, o teu primogénito …
senta-te e come … dá-me depois a tua bênção. Para conseguir o
seu empreendimento Jacob è obrigado a insistir na mentira (v. 20 e
v.24)
v. 22 Isaac seu pai tocou-o e disse:
a voz é a voz de Jacob, mas os braços são
os braços de Esaú. O
autor faz que Isaac faça uma figura mesquinha, que não é mais o
vencedor activo no aproveitamento da terra como no c. 26, mas um
velho semi-cego que cai num ardil, e ultrapassa toda a dúvida (v.
27) quando aspira o odor das vestes de Esaú, o seu predilecto.
vv. 27-29
Isaac … abençoou-o: … Deus te conceda a chuva do céu e as boas
colheitas da terra … que os povos te sirvam … sejas senhor dos teus
irmãos. Esta fórmula de bênção segue um esquema cananeu arcaico,
não se menciona a descendência e a posse da terra, típicas das
promessas de Adonai.
vv. 30-32
Esaú chegou da caça … levanta-te meu pai e come … para que me
bendigas. Esaú de pois de ter cozinhado a caça selvagem, espera
receber a bênção paterna.
v. 33
Então Isaac foi colhido por um grande tremor ... quem era … eu
abençoei-o e abençoado ficará. Isaac descobre ter cometido um
erro irremediável. Nem fraude nem outra intenção por parte de Isaac
poderiam anular tudo quanto foi dito a Jacob. Isaac comportou-se de
forma superficial com respeito à sua bênção testamentária e é agora
punido por essa irresponsabilidade.
O autor bíblico quer que o leitor
se dê conta de que
Todo o pecado ou
irresponsabilidade traz em si a própria maldição.
v. 34 Quando Esaú ouviu as palavras do
seu pai, começou a gritar e a chorar amargamente. Como era
previsível, Esaú tem uma reacção violenta, não aceita a situação,
tenta obter outra forma de bênção.
v. 37 Isaac respondeu … eu já o
constitui como teu senhor. Isaac reforça a sua acção,
alienando-se de tudo quanto tinha sido previsto anteriormente (Gn
25,23) face à reacção do filho que queria ter uma bênção a todo o
custo. Parece que Isaac sente interiormente que foi o próprio Deus
que nele agiu.
v. 39-40 Então o seu pai tomou a
palavra ... Longe da terra fértil será a tua morada … viverás da tua
espada … As terras montanhosas e rochosas de Edom eram
pouco cultiváveis, adaptadas só à vida dos caçadores nómadas,
desprezados pelos israelitas. A espada não é um instrumento de caça,
onde se adoptavam o aço e a flecha, mas é um instrumento de
assassínio, emblema de guerra. O prognóstico de um futuro arriscado
refere-se à independência de Israel que Edom obterá em 848 a.C.
v. 41 Pensou Esaú … matarei o meu
irmão. Actuam as previsões do pai que falavam de espada; nasce o
projecto de uma vingança mortal. Esaú torna-se o novo Caim e Jacob
para salvar a vida deverá fugir de casa e ficar afastado dela por
muitos anos.
vv. 42-45 Rebeca toma a iniciativa e pensa
que a distância geográfica impedirá a execução da vingança. Dá-se
conta que se Jacob for assassinado, também Esaú como fratricida será
obrigado a fugir (v.45) e
assim perderia os seus dois filhos.