Num dos seus magníficos poemas, Jorge de Sena
louva a presença de uma pequenina luz bruxuleante brilhando no meio da multidão.
Bruxuleante, porque incerta, ainda que
persistente.
Uma luz discreta no meio da multidão, que, na
confusão e na algazarra do seu viver, mal dá conta dessa presença luminosa, que
não se impõe, mas indefectivelmente brilha.
Mais do que nunca, precisamos de ser esta
pequena luz para ousar enfrentar as ameaças de toda a ordem que no horizonte se
perfilam e o temor com que os povos e nações olham para o futuro próximo.
O que era mero exercício de prospectiva,
elaborado, há meio século, por alguns cientistas mais perspicazes, tornou-se
numa realidade cada vez mais palpável e assustadora: o Planeta enfrenta, hoje,
consideráveis mudanças climáticas, prossegue a destruição de milhares de
espécies de origem animal e vegetal, cresce a população humana, aumenta a
poluição do ar e da água, multiplicam-se as montanhas de lixo de difícil
(impossível?!) reciclagem…
Por mais que se confie no progresso da ciência e
da técnica para procurar soluções para estes graves e gigantescos problemas, a
sua magnitude é tal que temos razões para pensar que não bastarão os remédios
que, a curto prazo, venham a ser descobertos para atenuar os efeitos dos
sintomas mais visíveis. Algo de muito radical é preciso mudar na mentalidade, na
organização da convivência humana e no modo de a Humanidade habitar o Planeta e
partilhar os seus recursos. Como?
Um dos grandes bloqueios à indispensável mudança
reside no actual sistema económico-financeiro globalizado, o qual dá sinais
inequívocos de que entrou em colapso mas cuja indispensável reforma tem
deparado, até agora, com bloqueios intransponíveis. Até quando?
A globalização tem avançado de forma vertiginosa
mas desregulada, movida pelo turbo-lucro da engenharia financeira (dinheiro que
faz dinheiro, mas não cria bens nem satisfaz as necessidades básicas e as
aspirações de grande número de excluídos), deixando atrás de si um cortejo de
disfunções sociais, cada vez mais gritantes: o desemprego, a grande desigualdade
na repartição da riqueza, a concentração gigantesca do poder financeiro, a
pobreza extrema…
Diante desta realidade sistémica, os Estados
apresentam debilidades cada vez mais sérias para poderem honrar o seu
compromisso de zelar pelo bem comum democraticamente definido pelos seus
cidadãos e cidadãs e com frequência ficam enleados em teias bem urdidas pelos
interesses financeiros os poderosos e a estes se submetem.
É neste quadro de perplexidade e insegurança que
vem subindo a temperatura da insatisfação social e do temor quanto ao futuro,
acrescentando-se, assim, às razões objectivas de mal-estar, um sentimento
pessoal e colectivo de frustração e de desesperança que, por algum tempo, vai
sugerindo resignação e acomodação, mas onde vai lavrando o campo da raiva e da
indignação, a menos que a pequenina luz bruxuleante de que fala o poeta aí se
mantenha,
como a exactidão como a
firmeza como a justiça.
Uma pequenina luz
com que cada homem e cada mulher, em sua casa, no seu meio de
trabalho, na sua cidade ou aldeia, junto dos amigos ou dos
concidadãos de partido político, na escola, nos centros de saúde
ou nos transportes públicos, nas suas redes sociais ou na
comunicação social, assume, transfigura e recria, tudo quanto
está ao seu alcance.