Ano A 07 domingo do tempo comum


VII domingo do Tempo Comum
Autor: Luciano Manicardi
VII Domingo do Tempo Comum
Autor: Luciano Manicardi
Lv 19,1-2.17-18; Sl 102,1-2.3-4.8.-10.12-13; 1Cor 3,16-23; Mt 5,38-48
Da santidade de Deus deriva o mandamento de amar o próximo como a si mesmo (1.ª leitura); da perfeição de Deus brota o mandamento de amar o inimigo (evangelho). Os textos propõem uma ética teologal, uma ética que encontra no ser e no agir de Deus para com o homem o seu fundamento. O critério ético que orienta o agir humano pode ser expresso assim: “Como Deus agiu contigo, age tu do mesmo modo com os outros.” Assim, não só é superado o nível da vingança, do “faz também tu ao outro o que ele te fez”, mas é estabelecido e tornado praticável o amor ao inimigo graças à fé em Cristo, que amou também os inimigos.
As palavras de Jesus em Mt 5,38-42 afrontam o problema da violência. Se já a lei de talião é uma barreira à violência indiscriminada e desmedida, Jesus propõe uma prática de não-violência activa, aplicada a diversos âmbitos. Mas ainda antes de propor uma estratégia que se opõe à violência, a Bíblia e a palavra do evangelho em particular ajudam o homem a discerni-la, a desmascará-la mesmo nas suas camuflagens e a reconhecer que ela não nos é estranha.
O caso da bofetada (v. 39) refere-se aos casos de explosão violenta nas relações familiares e sociais de todos os dias, portanto no âmbito da vida quotidiana. Todos nós conhecemos uma violência quotidiana e subtil que – sem derramamento de sangue e sem desatar à estalada, mas deixando o coração profundamento ferido – se passa no seio das relações familiares, das relações entre irmãos, entre pais e filhos, entre homem e mulher, a do homem que não sabe domar a animalidade que habita o seu coração, a que começa “de forma oculta ou quase imperceptível, que se insinua furtivamente através de um olhar, de uma atitude, de palavras” (André Wénin).
A cena que se percebe no v. 40 diz respeito a um processo de apreensão de bens: entrevê-se as situações de injustiça e violência social, estrutural; as instituições que, postas ao serviço da justiça, podem tornar-se istrumentos de injustiça. Podemos pensar na violência da burocracia com o seu modo impessoal e a sua indiferença para com a individualidade humana.
A situação do v. 41 refere-se a desempenhos forçados, a perseguições, à violência do abuso, de dobrar a vontade do outro para que faça o que queremos nós. E o âmbito do abuso abrange o plano físico e sexual, psicológico e espiritual.
E também se pode configurar como violência a pressão, a insistência num pedido para obter dinheiro e empréstimos (v. 42). No âmbito económico surgem, sem dúvida, a ganância e a violência.
Jesus pede ao crente para não opor resistência ao malvado: esta dimensão negativa será completada pelo mandamento positivo de amar o inimigo (v. 44). Ainda que a violência faça parte do mundo irredimido, ela opõe-se ao Reino de Deus e não pode voltar a fazer parte da práxis messiânica.
O pedido para amar os inimigos situa-se no centro da diferença cristã: o que distingue o cristão de pagãos e publicanos, de indiferentes e não crentes? Jesus pede aos crentes que deixem de se fechar no que é homólogo, semelhante, recíproco, autocentrado: amar quem já nos ama, cumprimentar apenas os próprios irmãos. Trata-se, pelo contrário, de ousar a alteridade, de ter a coragem da diversidade e de vencer com o amor o medo do diferente e do outro. Factor de violência é a absolutização do mesmo, do idêntico, que se pode traduzir na redução das relações sociais à mera materialidade do elemento natural, à exaltação da consanguinidade, da homogeneidade do elemento étnico.
Praticar o amor para com o inimigo contém em si uma promessa escatológica que tem reflexos no mundo presente: “a fim de serdes filhos do vosso Pai que está nos céus” (v. 45). Viver o amor ao inimigo significa estar imerso no amor de Deus, que em Cristo se manifestou como amor pelos inimigos: essa imersão regenera o crente, fá-lo nascer na prática como filho de Deus, pertencente a Deus e semelhante a Jesus Cristo. Berço e matriz deste nascimento para a semelhança com Deus (cf. v. 48) é a experiência do amor universal de Deus, do seu amar bons e maus, da sua bondade incondicional.
© – Luciano Manicardi