Ano A 11 domingo tempo comum


XI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Ex 19,2-6a; Sl 99,2.3.5; Rm 5,6-11; Mt 9,36-10,8
A intervenção de Deus na história cria uma entidade comunitária: os fugitivos do Egipto são constituídos povo eleito e santo (1.ª leitura); alguns discípulos de Jesus formam o grupo dos Doze para prosseguir a sua missão (evangelho).
Enquanto o povo reunido por Deus em torno de Moisés tem como missão testemunhar o senhorio de Deus entre todos os povos vivendo a pertença a Ele (1.ª leitura), os Doze são chamados a testemunhar o senhorio de Cristo fazendo o bem e pregando o Reino (evangelho). A missão cristã, a evangelização, é obra de um sujeito comunitário, é obra eclesial.
O olhar de Jesus sobre a multidão (cf. Mt 9,36) é olhar de compaixão. Jesus vê o povo e decerto apercebe-se da sua pobreza, talvez mesmo da mediocridade e da miséria, vê o povo como ovelhas incapazes de se orientarem por si, vê pessoas desprovidas, mas o seu olhar não se transforma em desprezo, não origina manipulações ou aproveitamento. Jesus vê filhos de Deus e vê-os com os olhos iluminados pela história do povo de Deus, que, depois de Moisés, tem necessidade de um guia para prosseguir o caminho para a terra prometida (“ovelhas sem pastor”: Nm 27,17). O olhar capaz de compaixão, de perceber a humanidade deprimida, humilhada, sem esperança, é o olhar do verdadeiro pastor. Ele considera presenças preciosas mesmo as pessoas que não fazem, mas sofrem a história, e que, por vezes, também na Igreja, são constrangidas a ter pastores maus ou falsos ou incapazes.
Os filhos de Israel parecem a Jesus ovelhas perdidas (Mt 9,36; 10,6), mas parecem-lhe também uma seara pronta para a ceifa (cf. Mt 9,37-38): agora, a espera messiânica de Israel atingiu maturidade, são precisos trabalhadores que anunciem o Evangelho do Reino. E Jesus pede aos discípulos que rezem para que Deus mande trabalhadores para a messe. Perante a imensidão da tarefa (“a messe é grande”), Jesus não fica desencorajado nem se lamenta, mas pede oração, e ele próprio confia aos Doze a missão de narrar a proximidade do Reino com a sua presença, palavra e acção. A missão nasce da compaixão e da oração.
Rezar para que o Senhor mande trabalhadores para a sua messe significa reconhecer que a vocação cristã (e toda a vocação particular) vem do Pai, através do Filho, pelo poder do Espírito Santo: não nasce do discernimento de uma necessidade na Igreja ou na sociedade à qual nos dispomos a responder, mas do querer de Deus ao qual nos abrimos graças à oração. Uma comunidade cristã que tenha compreendido a necessidade da oração e a viva é uma comunidade na qual a vontade de Deus ressoa com intensidade e na qual as exigências radicais da vocação cristã ecoam com vigor e podem encontrar homens e mulheres dispostos a acolhê-las.
O elenco dos Doze revela o rosto concreto de uma comunidade real: personalidades fortes que deixaram uma marca (Pedro e André, Tiago e João) e figuras esbatidas das quais mal se reteve o nome (Tadeu) e das quais não sabemos nada. E é evocado com discrição o caminho que muito tiveram de enfrentar para constituir a comunidade de Jesus: Simão tornado Pedro; os dois pares de irmãos chamados a transformar as suas relações de sangue em relações determinadas pelo fazer a vontade do Pai (cf. Mt 12,50; 20,20-23); Mateus, que de cobrador de impostos se tornou discípulo e apóstolo; Simão, o cananeu, ou seja, com um passado de zelota, de resistente armado contra os Romanos. No fim, é nomeado Judas, aquele que traiu Jesus. Como toda a comunidade cristã, também a comunidade de Jesus conhece glórias e alegrias, mas igualmente sofrimentos e infidelidade, e é atravessada por acontecimentos dolorosos e trágicos (cf. Mt 27,5).
A missão em que são enviados os Doze consiste em fazer recuar o mal, em praticar o bem como o seu Senhor Jesus, em pregar o Reino narrado por Jesus na sua pessoa. Isso situa-se entre o dom e a responsabilidade: “Haveis recebido de graça, dai de graça” (Mt 10,8). A missão é evocada na sua inteireza, não como um fazer, mas como um receber e um dar. Pedir ou receber dinheiro é incompatível com a gratuidade do anúncio messiânico: seria contradizer o dom gratuito recebido.
© – Luciano Manicardi