Ano A 13 domingo tempo comum


XIII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XIII domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
2Rs 4,8-11.14-16; Sl 88,2-3.16-17.18-19; Rm 6,3-4.8-11; Mt 10,37-42
A fecundidade do acolhimento é um tema que une a 1.ª leitura e o evangelho. Eliseu, hóspede acolhido pela mulher de Chuném, torna-se portador de bênçãos para a mulher rica, mas sem filhos, que se tornará mãe graças à intercessão do profeta. O evangelho atesta que quem acolhe os discípulos de Jesus não ficará sem recompensa, ou antes, o hóspede acolhido e reconhecido na sua identidade profunda atrai e assimila a si aquele que o acolhe: “Quem acolhe um profeta na qualidade de profeta receberá recompensa de profeta, e quem acolhe um justo na qualidade de justo receberá recompensa de justo (Mt 10,41).
A hospitalidade concedida pela mulher de Chuném a Eliseu tem um aspecto logístico: trata-se de providenciar um espaço para ir ao encontro das necessidades do outro (um pequeno quarto de alvenaria com uma cama, uma mesa e uma cadeira e uma lâmpada”: 2Rs 4,10); mas anterior a isso é o aspecto interior e espiritual do acolhimento, ou seja, o reconhecimento e o acolhimento da identidade profunda do outro: “homem de Deus, santo” (2Rs 4,9), “profeta, justo, discípulo” (Mt 10,41-42).
A passagem do evangelho que associa as palavras sobre o acolhimento do discípulo (cf. Mt 10,40-42) com as exigências do discipulado (cf. Mt 10,37-39) retira o discurso sobre o acolhimento da ética das boas maneiras e insere-o no radicalismo cristão. A “sacramentalidade” do enviado (“Quem vos recebe a mim recebe; e quem me recebe recebe Aquele que me enviou”: Mt 10,40) está ligada ao respeito, da parte deste último, de condições exigentes e duras postas por Jesus. Para transmitir a bênção e tornar destinatários da promessa aqueles que acolherem os enviados de Jesus, é necessário que estes estejam verdadeiramente ligados ao Enviante e o amem acima de tudo e de todos, mesmo dos pais e dos filhos (cf. Mt 10,37).
O triplo “não é digno de mim” (Mt 10,37-38) não é entendido como valoração moral, nem significa que Jesus exija desempenhos que tornem meritório quem os realiza. Trata-se de uma simples constatação: vive o seguimento de Jesus quem põe o amor de Cristo à frente dos laços familiares e se dispõe a viver este amor até à cruz, à morte infamante. Esse é digno de Jesus, isto é, seu discípulo.
O anúncio do Reino de Deus e a urgência da conversão que dele decorre levam Jesus a viver na primeira pessoa um distanciamento radical da sua própria família e a exigir outro tanto aos seus discípulos. A família era a estrutura fundamental da organização das vilas da Galileia e presidia à vida social e económica das pessoas, mas Jesus ebenta com este âmbito fechado de referência, assumindo como horizonte da sua pregação o Reino de Deus e a salvação de Israel todo. Para se radicar na novidade de vida instaurada por Cristo e na sua comunidade itinerante é necessário, portanto, da parte do discípulo, um claro estabelecer de distância em relação à “velha” forma de vida centrada na família. Premência escatológica com vista ao Reino e primado do Evangelho são requisitos que impedem a Igreja de se deixar ficar pelos valores sociais, morais e civis correntes. A diferença cristã e, portanto, a razão de ser da Igreja encontra aí o seu fundamento.
Enquanto o texto paralelo de Lucas fala de escuta de uma mensagem (“Quem vos escuta a mim escuta”: Lc 10,16), Mateus sublinha o acolhimento do mensageiro. Os dois aspectos estão evidentemente relacionados e são inseparáveis, mas é importante recordar a dimensão humana do acolhimento de uma pessoa, que requer que se levem a cabo gestos, atenções, cuidados, compreensão das necessidades do outro (note-se o pormenor de dar de beber “um copo de água fresca”, em Mt 10,42, que nos remete para o clima quente e seco da Palestina e para a sede daquele que percorreu muito caminho a pé), porque o acolhimento é sempre acolhimento de um corpo por parte de um outro corpo. A realidade do amor não se mede por impulsos afectivos, mas por ser efectivo.
© – Luciano Manicardi