Ano A 15 domingo tempo comum


XV domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XV domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Is 55,10-11; Sl 64,10abcd.10e-11.12-13.14; Rm 8,18-23; Mt 13,1-23
Quer seja comparada à chuva e à neve, que fecundam a terra e permitem às sementes frutificar (1.ª leitura), quer à semente deitada à terra pelo semeador e que dá fruto em proporções diversas (evangelho), a Palavra de Deus manifesta uma eficácia que não é de todo da ordem da magia, mas que requer a sinergia do homem.
O texto de Is 55,10-11 afirma que a Palavra saída da boca de Deus não volta para o Senhor “vazia”. Há um processo que se completa quando a Palavra, depois de ter sido pronunciada por Deus, regressa a Deus. E regressa sob a forma de louvor e agradecimento, de súpica e invocação, de prece pessoal e comunitária, de oração e de liturgia. Não é por acaso que a oração dos Salmos, resposta humana à Palavra de Deus, está incluída pelo Cânone bíblico na Escritura, que contém e transmite a Palavra de Deus. De modo semelhante ao mecanismo da encarnação, a Palavra de Deus volta para Deus na forma de palavra humana, tendo suscitado uma palavra humana. A Palavra de Deus é verdadeiramente assim quando é escutada e celebrada, quando é reconhecida e se torna fonte de diálogo. Em concreto, a Palavra de Deus, que é também história e acontecimento, uma vez reconhecida e discretizada na realidade, suscita uma resposta orante a Deus. A oração e a liturgia realizam a Palavra de Deus.
A parábola do semeador (cf. Mt 13,3-9) torna-se, na explicação (cf. Mt 13,18-23), um ensinamento sobre a escuta, sobre a responsabilidade humana que a Palavra de Deus suscita. E a escuta da Palavra de Deus aparece como um trabalho, uma verdadeira ascese.
Os três tipos de terreno em que a semente fica infrutífera, ao mesmo tempo que revelam obstáculos e resistências que a escuta da Palavra encontra no coração humano, indicam igualmente disposições espirituais que ajudam a Palavra a enraizar-se e a frutificar. São os elementos fundamentais da ascese e da escuta.
A interiorização. A semente caída ao longo da estrada e comida pelas aves antes de chegar a germinar simboliza a escuta superficial, isto é, sem interiorização, assumpção e elaboração profunda da própria Palavra. Sem este trabalho interior a Palavra não pode tornar-se princípo vital que guia o homem no seu viver (cf. Mt 13,4.19).
A perseverança. A semente caída em terrenos pedregosos denuncia um tipo de escuta sem frutos porque não acompanhada da necessária perseverança. É reveladora daquele “que escuta a Palavra e a acolhe, no momento, com alegria, mas não tem raízes em si próprio e é inconstante; sobrevindo uma tribulação ou perseguição por causa da Palavra, logo desiste”. Mateus diz que este homem é próskairos, isto é, “homem de um momento”, incapaz de fazer tornar-se história a sua fé, de submeter a fé à prova do tempo. Não tendo raízes, ele não sabe resistir nas dificuldades e nas perseguições que a própria Palavra provoca (cf. Mt 13,5.20-21).
A luta espiritual. A semente que foi parar ao meio dos espinhos e acabou sufocada remete para o homem que, apesar de ter escutado a Palavra, permanece seduzido por outras palavras, pelas tentações mundanas, pela riqueza, pelos “prazeres da vida” (como acrescenta Lc 8,14). Em suma, é quele que não sabe desencadear a necessária luta interior e espiritual para reter a Palavra, para combater os pensamentos e as tentações, e desse modo deixa-se distrair e seduzir pelos ídolos (cf. Mt 13,7.22).
As resistências à Palavra de Deus são as resistências à conversão (cf. Mt 13,15), ao esforço do coração que, para acolher a Palavra, deve deixar-se purificar pela própria Palavra. Tememos a purificação e o despojamento produzido em nós pelo acolhimento da semente da Palavra, assim como os terrenos pouco profundos, pedregosos ou infestados de silvas (cf. Mc 4,1-9.13-20) não acolhem a semente porque, para o fazer, deveriam deixar-se limpar das pedras, desbravar das silvas, arar e mondar (cf. Is 5,1-7).
A escuta da Palavra de Deus acontece sempre no interior da dinâmica pascal, no quadro de uma morte e de uma ressurreição. Não era por acaso que a antiga exegese cristã via na semente caída na terra boa e que dá fruto pela medida de cem os mártires, isto é, aqueles que deixam desenvolver-se plenamente em si o dinamismo pascal.
© – Luciano Manicardi