Ano A 16 domingo tempo comum


XVI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XVI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Sab 12,13.16-19; Sl 85,5-6.9-10.15-16a; Rm 8,26-27; Mt 13,24-43
A mansidão de Deus no seu agir com os homens (1.ª leitura), mansidão narrada pelo dono do campo na parábola do joio (evangelho), constitui um elemento que une 1.ª leitura e evangelho.
Constitutiva do agir de Deus, a mansidão também é essencial aos homens e ao agir da Igreja. Ela não aparece tanto como fraqueza ou impotência, mas como vontade e capacidade de dominar a própria força, de a governar, de a domar, de a orientar. A mansidão de Deus aparece como paciência, espera dos tempos do homem, confiança acordada ao homem: “Tu concedes depois dos pecados a possibilidade da conversão” (Sab 12,19). A mansidão aparece ainda como não exclusão, não extirpação, capacidade de não fazer juízos definitivos e sem outra hipótese, mas como capacidade de conviver com o negativo (parábola do joio). A mansidão, como capacidade de pôr limites à sua própria força, aparece como método de convivência que se opõe à lógica da sociedade tecnológica que tem como fim o seu próprio crescimento e autopotenciação e que considera admissível, e até devido, tudo o que é tecnicamente factível.
A parábola do joio tem uma dimensão eclesiológica. A Igreja de Mateus é um corpus mixtum, no sentido de que dela fazem parte cristãos provenientes do judaísmo e do paganismo, mas também no sentido de que há nela fortes e fracos, simples e instruídos, pessoas mais santas e outras que mais facilmente caem em pecado e em vício. E esta é, de facto, a realidade de toda a comunidade cristã. Como já era a do grupo dos Doze reunido em torno de Jesus. Assim, a Igreja surge como uma escola de paciência e uma ocasião de exercício da mansidão.
Jesus proclama “coisas ocultas desde a criação do mundo” (Mt 13,35), e ao fazer isto denuncia o necessário escândalo que permanecerá até ao fim do mundo: a presença do joio a par e no meio do bom cereal; a presença da divisão e da inimizade que atravessa o campo que é o mundo, mas que atravessa também as Igrejas, as comunidades cristãs, e o coração de cada pessoa. E, a par disto, há igualmente o escândalo da paciência de Deus que deixa que o mal cresça juntamente com o bem, que o ímpio prospere ao lado do justo. Jesus não arranca o joio, não corta a figueira improdutiva (cf. Lc 13,8-9), não expulsa Judas do grupo dos Doze, antes se inclina, se prostra diante daquele que se fez seu inimigo pessoal, faz-se seu servo lavando-lhe os pés, não intervém a afastá-lo do seu pecado, mas deiza-o agir, continuando a chamar-lhe “amigo”. E eis que as coisas ocultas desde a criação do mundo, isto é, o segredo da história humana aos olhos de Deus, se torna revelação na cruz de Cristo. Escândalo do mal na história e escândalo da paciência de Deus sintetizam-se na injusta morte de cruz do Filho de Deus. Eis o mistério do Reino, as coisas ocultas desde a criação do mundo: a cruz divina, aquela cruz que o apologeta Justino via já inscrita na criação.
O anúncio do juízo, presente na explicação da parábola do joio (cf. Mt 13,39-43), está ancorado numa pregação que proclama a misericórdia e defende uma práxis eclesial quotidiana de paciência para com os pecadores. O horizonte do juízo escatológico, que pende sobre cada crente e sobre a Igreja no seu conjunto, é o que permite ao cristão e à Igreja porem em prática no presente a paciência que o Evangelho requer. E lutarem contra a tentação da impaciência de antecipar o juízo já no hoje. A impaciência consiste em presumir que já se sabe quem é o mau e quem o bom, qual é o cereal e qual o joio (plantas que são muito parecidas), e em pretender eliminar o segundo para deixar apenas o primeiro.
As parábolas do grão de mostarda e do fermento (cf. Mt 13,31-33) apresentam o desenvolvimento vital extraordinário que brota de uma semente minúscula semeada na terra (e para os antigos a semente semeada morre) e de um pouco de fermento que, escondido na massa, a faz levedar toda. Estamos perante o mistério pascal, o mistério da morte fecunda de Cristo.
© – Luciano Manicardi