Ano A 24 domingo tempo comum


XXIV domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XXIV domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Sir 27,30-28,7; Sl 102,1-2.3-4.9-10.11-12; Rm 14,7-9; Mt 18,21-35
O pedido de perdão a Deus é credível se acompanhado da disponibilidade e da prática concreta do perdão fraterno: esta a unidade entre a 1.ª leitura e o evangelho. Unidade que podemos confirmar com as palavras do Pai-Nosso: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido” (Mt 6,12). E ainda: “Se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. Mas se vós não perdoardes aos homens, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas culpas” (Mt 6,14-15). A liturgia judaica afirma igualmente que, no dia da expiação e do perdão (Yom Kippur), são perdoados só os pecados cometidos contra Deus, ao passo que, para as transgressões cometidas entre uma pessoa e outra, “Yom Kippur procura o perdão só se a pessoa se reconciliou primeiro com o seu irmão” (Mishnà, Yomà 8,9).
Pedro interroga Jesus sobre a medida do perdão respeitante à ofensa pessoal (“se o meu irmão peca contra mim”: Mt 18,21), uma ofensa à qual não se segue o arrependimento nem o pedido de perdão da parte do ofensor. No texto paralelo de Lucas diz-se, pelo contrário: “Se o teu irmão pecar sete vezes ao dia contra ti e sete vezes vier ter contigo dizendo ‘Arrependo-me’, perdoar-lhe-ás” (Lc 17,4). Em Mateus, o perdão é incondicional, não preparado por alguma declaração de arrependimento. Este perdão é possível quando quem é chamado a perdoar se recorda do perdão imenso, incomensurável, que ele próprio já recebeu em Cristo. Por outras palavras: cada cristão se encontra, em relação ao seu irmão, na mesma situação que o servo a quem foi perdoada a dívida impagável.
Que seja perdoada a dívida imensa (cf. Mt 18,27) significa que o perdão não pode limitar-se a perdoar o que é desculpável, “os pecados veniais”, mas que só o é quando perdoa o que se diria imperdoável. Perdoar o imperdoável: também isto está no interior da medida do perdão cristão.
Na parábola do evangelho (cf. Mt 18,23-35), o servo impiedoso une no seu comportamento maldade e estupidez. Que provavelmente é a transcrição em termos quotidianos da distinção teológica entre pecados deliberados e pecados por ignorância. Não será também estúpido o servo que, depois de se ter visto perdoado de uma dívida enorme, se mostra impiedoso para com o homem que lhe devia uma quantia infinitamente inferior? Muitas vezes o pecado é fruto da conjunção de maldade e estupidez, de perversidade e ignorância. Ou também: frequentemente o pecador tanto é perigoso como é ridículo.
A parábola mostra que o perdão não muda necessariamente o coração daquele que o recebe. O poder e a grandeza do perdão estão na unilateralidade com que o ofendido não tem em conta a ofensa recebida, recria as condições para a relação com o ofensor com um acto de total gratuidade e aceita ver rejeitado e humilhado o seu gesto. O cristão contempla a plena demonstração desta unilateralidade do perdão no Cristo crucificado: O Justo, cuja ressurreição se celebra na Páscoa, é aquele que, assimetricamente, restaura a reciprocidade, responde ao ódio com o amor, oferece o perdão a quem não o pede” (Francis Jacques). Esta unilateralidade é o caminho escolhido por Jesus Cristo para superar a falta de reciprocidade de quem ignora o perdão. É vitória do bem sobre o mal, é perdão da rejeição do perdão, é acontecimento pascal.
Um aspecto não secundário da parábola de Mateus é a tristeza, a dor dos companheiros de servidão perante o agir perverso do servo que não tem piedade daquele que lhe deve cem denários (v. 31). Ali não há espaço para a linguagem do perdão, mas só para o desdém e a indignação, para a revolta diante da injustiça que se transforma em coragem para denunciar.
Há uma justiça do perdão que intervém quando a relação de bilateral se abre a um terceiro, como no caso desta parábola. Que o perdoado não perdoe à sua volta é uma injustiça que suscita cólera (v. 34), não a misericórdia (v. 27). Se é certo que posso perdoar infinitas vezes o pecado contra mim, não tenho a autoridade para perdoar o mal que outro faz a um terceiro.
© – Luciano Manicardi