Ano A 26 domingo tempo comum


XXVI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
XXVI domingo do tempo comum
Autor: Luciano Manicardi
Ez 18,25-28; Sl 24,4bc-5.6-7.8-9; Fl 2,1-11; Mt 21,28-32
A 1.ª leitura e o evangelho propõem uma mensagem sobre arrependimento. O homem injusto pode desistir da sua injustiça e agir com rectidão (Ezequiel); o filho que, num primeiro momento, se recusou a ir trabalhar na vinha do pai, decide depois ir (evangelho). A unidade das duas leituras pode também ser expressa com as categorias da conversão e da responsabilidade.
O arrependimento é prova de liberdade. Também o malvado pode mudar. Esta possibilidade de conversão diz que o pecado não é um poder metafísico que esmaga o homem e que tem sobre ele a última palavra. No arrependimento, o homem reencontra o caminho recto e “volta” para si mesmo e para Deus ao mesmo tempo. Acto de liberdade, o arrependimento é também acto de libertação. O malvado que muda de conduta “faz-se viver a si próprio” (Ez 18,27), dá vida à sua existência, mostrando não ser escravo dos comportamentos anteriores.
O que leva o malvado a mudar de conduta? Como é possível evocar o arrependimento, esse acontecimento em que está em jogo o mistério da pessoa e a consciência da contradição entre si e si, a qual conduz à dor e à dilaceração interior? Ezequiel evoca o caminho interior que conduz ao arrependimento com o termo “viu” (Ez 18,28, literalmente; Vulgata: considerans). O que viu? Em Ez 18,14 fala-se de “ver os pecados do pai”, por parte do filho, que, no entanto, não faz da visão dos pecados paternos um álibi para o seu próprio pecar, antes, não se deixa gerar para o pecado pelo pai pecador. Essa visão indica então a tomada de consciência dos próprios pecados, é a dolorosa visão de si na não-unificação, na divisão profunda. No arrependimento vemo-nos a nós próprios na contradição com nós próprios. E sabemos que podemos voltar-nos para Deus precisamente naquela condição de quem tem o coração contrito.
Na parábola do evangelho de hoje (cf. Mt 21,28-31), o filho que respondeu “não” ao convite do pai e depois, “arrependido”, “tendo sentido remorso”, faz a vontade do pai, revela que crer passa às vezes também por mudar de ideia. A obediência à palavra e à vontade de Deus passa às vezes por a pessoa negar a sua palavra e a sua própria vontade. A fé não nos pede para não errar e não pecar, mas para reconhecer o erro e confessar o pecado.
Naquele “mudar de ideia” está o diálogo interior, está a tomada de consciência da realidade, está a audácia de olhar de frente para si próprio, passo preliminar essencial para o agir responsável. Em suma, está o início do movimento em direcção à responsabilidade, da decisão de passar da irresponsabilidade para a responsabilidade. Neste sentido, longe de ser um sinal de fraqueza, o arrependimento é sinal de coragem e de força. Embora seja raro e impopular, mesmo na Igreja, o gesto de quem reconhece ter errado, de quem admite ter tomado posições que se revelaram pouco conformes com o Evangelho e muda a sua posição, procurando ser mais fiel ao Evangelho, é sinal de grandeza humana e espiritual.
No cristianismo, o arrependimento é a estrada principal para aceder à vontade de Deus. “Nós, cristãos, temos o privilégio de dispor de um outro método, relativamente à mundanidade, para nos avizinharmos da verdade: o arrependimento” (Christos Yannaras).
Os dois filhos da parábola estão ambos em contradição entre o dizer e o fazer. Mas com uma diferença essencial. O filho que diz “não” expõe-se a um conflito com o pai, com uma pessoa externa a ele, e isto leva-o a tomar consciência do seu conflito interior e a mudar de opinião. Coisa que não sucede com quem responde “sim” e agrada ao outro, inclina-se para o outro, não se expõe conflituosamente ao outro e pode evitar enfrentar a tentação da desobediência que habita mesmo nele. Para Mateus é evidente que aqueles que vivem no “sim” são os religiosos (sacerdotes e anciãos do povo: Mt 21,23) que podem não se sentir necessitados de conversão porque já “estão bem”, diferentemente dos que, pelo contrário, vivem no “não”, publicanos e prostitutas, e que podem dar espaço ao Evangelho e entrar no Reino.
© – Luciano Manicardi